Levantamento da ONG Médicos Sem Fronteira mostra que antes era possível imunizar crianças com R$ 3, hoje são mais de R$ 85
por Gabriel Bonis na Carta Capital
Um levantamento da organização humanitária francesa Médicos Sem Fronteira (MSF) indica que o preço global do pacote básico de vacinação para crianças aumentou 2700% na última década. Em parte, porque o número de imunizações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) subiu de seis para 11, mas também devido à disparidade de preços de duas vacinas novas.
Há dez anos, diz o MSF, era possível vacinar uma criança com 1,37 dólares (cerca de 3,05 reais). Hoje, as 11 vacinas saem por 38,80 dólares (cerca de 86,52 reais). Os preços utilizados como base para o levantamento são os obtidos pela Aliança Mundial para Vacinas e Imunização (GAVI), entidade parceira da Organização Mundial da Saúde (OMS) que auxilia os governos de países pobres a obterem os menores preços globais de vacinas.
Segundo o MSF, a maior parte do aumento no pacote de vacinação está concentrada nas imunizações contra doenças pneumocócicas e o rotavírus (causador da diarreia). Esses dois itens respondem por mais de 75% do preço do pacote, enquanto uma vacina contra o sarampo custa apenas 50 centavos.
Essas vacinas, mostra o levantamento, são produzidas quase exclusivamente por três dos maiores laboratórios farmacêuticos do mundo: Pfizer, GlaxoSmithKline (GSK) e Merck. “Há pouca competição no setor. Há apenas dois produtores para cada uma destas vacinas”, destaca Kate Elder, especialista em vacinas da Campanha de Acesso a Medicamentos do MSF.
As farmacêuticas, por outro lado, contestam os valores apresentados pelo MSF (Leia mais AQUI). “Não se pode comparar as vacinas de rotavírus e pneumocócica com uma de sarampo, que tem mais de 30 anos. Essas são vacinas novas e modernas, portanto, o custo é maior”, sustenta João Sanches, diretor de relações institucionais da Merck no Brasil.
Em nota, a sede da Pfizer diz estar comprometida em tornar sua vacina disponível para crianças e adultos em todo o mundo. “Para cumprir com esse compromisso, a Pfizer trabalha em conjunto com o governo e organizações de cada país, considerando a situação socioeconômica de cada nação.”
Apesar dos preços maiores na comparação às imunizações “tradicionais”, o surgimento de novas vacinas é visto como positivo, pois as tecnologias desenvolvidas na última década têm o potencial de reduzir ainda mais a mortalidade em crianças abaixo de cinco anos.
A Gavi, que ajuda financeiramente 73 países pobres a pagarem por suas vacinas, também entende que os valores das imunizações contra o rotavírus e as doenças pneumocócicas não são elevados. “Essas duas vacinas enfrentam os dois maiores assassinos de crianças abaixo de cinco anos. Pagar 3,5 dólares [preço conseguido pela Gavi] por uma vacina contra as piores formas de pneumonia é muito caro se isso salva a vida de uma criança?”, questiona um porta-voz da Gavi, a CartaCapital.
A entidade comprometeu 8,4 bilhões de dólares até 2016 em suporte a países que se enquadrem nos seus quesitos de ajuda. A organização consegue baixar os valores das vacinas usando estratégias como agregar demanda e aquisição, além de garantir compromissos de longo prazo com acordos de financiamento garantidos. “Conseguimos neste ano um recorde de preço baixo para vacina pentavalente e vamos comprar a vacina contra HPV por 4,5 dólares a dose. Essa vacina custa mais de 100 dólares nos países ricos. Também fizemos um acordo para reduzir o preço da vacina do rotavírus em 67%.”
Mas os preços das vacinas podem variar exponencialmente conforme os acordos entre as farmacêuticas, os países ou blocos de Estados. O Brasil, por exemplo, não tem acesso aos preços do Gavi, considerados os menores do mercado. O País utiliza, no entanto, o Fundo Rotativo da Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO), um mecanismo de cooperação para compra em conjunto de vacinas, seringas e suplementos relacionados à vacinação pelos países das Américas.
Pela tabela da PAHO, uma vacina pediátrica contra doenças pneumocócicas pode ser comprada pelos países membros por 15,84 dólares a dose (35,32 reais) e uma contra o rotavírus sai por 6,5 dólares (14,49 reais) a dose. Já a tabela da Gavi é mais econômica: a imunização contra pneumonia custa 3,50 dólares (7,8 reais) a dose - 90% menos que os valores pagos pelos países ricos – e a do rotavírus custa 5 dólares (11,15 reais). O SUS fornece as duas vacinas gratuitamente no Brasil.
Para o MSF, os preços destas vacinas são altos devido à falta de transparência das empresas quanto aos reais custos de fabricação. A ONG ainda critica o fato de os acordos da Gavi não valerem para organizações humanitárias. “Isso se tornou um grande obstáculo para atendermos as necessidades dos nossos pacientes em emergências e países em conflito, pois os valores de cada dose seriam impraticáveis”, diz Elder.
A Gavi, financiada por doações de empresas e países (entre eles o Brasil, que anunciou uma contribuição de 20 milhões de dólares em 2011, ainda não concretizada), diz, por outro lado, que busca não interferir nas negociações entre ONGs e produtores.
Todos concordam, porém, que as vacinas são ferramentas fundamentais para controle de doenças. “As vacinas claramente demonstraram seu valor e o impacto na saúde”, afirma Elder. “Em uma situação de emergência, feridos de guerra e pessoas pegas em conflitos, a forma mais fácil de lidar com algumas doenças é fazer uma vacinação em massa. É uma ferramenta básica de saúde.”
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