por dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Por um período da minha vida de militante político voltado para o debate sobre saúde pública, médicos, ensino de medicina, políticas de saúde, cheguei a tomar posição contra a abertura de novos cursos de medicina. Inclusive, quando deputado estadual, ao votar contrário à abertura de um curso de medicina numa Universidade Estadual do Paraná, fui declarado persona non grata no município sede da referida Universidade.
Nesta ocasião, num debate sobre a abertura ou não deste curso, um médico, ex-professor meu, com posição igual à minha (contra a abertura de novas faculdades de medicina), “jogando a toalha” declarou mais ou menos o seguinte: “Vamos ver se com mais faculdades de medicina pelo menos formamos mais pessoas que, com melhor formação, pelo menos possam criar a consciência de cidadania”.
Isso já se vai uma década e meia. Neste período, o Brasil já abriu várias vagas a mais para a formação de médicos e médicas e já formou milhares de profissionais. Já se teria criado, portanto, se a frase estivesse certa, milhares de cidadãos e cidadãs.
Ser cidadão e exercer a cidadania, entendo, é conhecer seus direitos, sem ignorar os direitos do outro. O próprio direito não se sobrepõe ao do outro, mas se soma e se complementa, formando um coletivo de direitos. Entendo que na nossa sociedade não há essa consciência de cidadania coletiva. É fácil concluir isso, basta observar o dia a dia, seu e dos que com você convivem. E, no caso específico dos médicos, observar o comportamento de boa parte destes profissionais.
A relação de poder na nossa sociedade é de desrespeito à cidadania, mesmo que você seja o responsável, profissionalmente, por garanti-la.
Vamos aos exemplos: o juiz muitas vezes tem uma relação de prepotência para com aquele que ele deveria garantir a justiça; o advogado tem a relação de superioridade com aquele que deveria colocar-se no mesmo nível para explicar os seus direitos de cidadão; o médico, com o seu saber, pode “decidir” sobre a vida e sobre a morte. E, assim, poderia listar inúmeras profissões, mas creio que estes poucos exemplos bastam para esclarecer aonde quero chegar.
Não sei se o meu querido ex-professor continua com a mesma posição, mas eu mudei: sou favorável à abertura de novos cursos de medicina em universidades públicas.
Os milhares de médicos formados ultimamente sonham, o que é justo, com a construção de sua cidadania e a garantia de seus direitos, incluindo condições de trabalho e salário digno. Tenho profunda dúvida se estes milhares de médicos e médicas têm a consciência de que saúde é um direito do cidadão e da cidadã e que este direito coletivo deve ser garantido pelos esforços de todos e todas.
O Ministério da Saúde e muitos prefeitos pelo interior do país oferecem, não o mundo porque não têm, mas um digno salário para ter um profissional. Muitos desses locais também oferecem condições de trabalho, no entanto, não encontram o profissional. Por que isso está ocorrendo?
Supondo que a maioria dos médicos tenha a consciência de que a cidadania e o direito devem ser uma conquista coletiva, que o salário (10 mil reais) para um recém-formado é digno e que as condições de trabalho estejam dadas, e mesmo assim não se encontra o profissional, sou obrigado a afirmar que faltam médicos e médicas no Brasil.
Se não é falta de médico, como muitos têm afirmado, é então falta de consciência, que o meu antigo professor, já “jogando a toalha”, esperava que as novas faculdades e novos cursos de medicina dariam ao futuro profissional.
Algumas palavras de ordem, algumas chamadas pela mobilização dos médicos e algumas faixas que apareceram nas manifestações, demonstram que uma boa parte desses profissionais não tem a consciência de que a cidadania não se constrói individualmente, mas é fruto de construção coletiva e que jamais a sua cidadania pode ser vivida em detrimento da de outrem.
Hoje favorável à abertura de novos cursos de medicina em faculdades públicas e com nova grade curricular, não jogo a toalha porque tenho a certeza que nessas condições serão gerados profissionais comprometidos com a construção do direito e da cidadania.
Dr. Rosinha, médico pediatra é deputado federal (PT-PR) e presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. No twitter: @DrRosinha
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