Dossiê revela: para neutralizar ativismo, grandes corporações contratam militares, espionam e sabotam grupos que lutam por direitos humanos e meio-ambiente
por Taís Gonzalez do site Outras Palavras em CartaCapital
Em março deste ano, quando ativistas brasileiros desmascararam um funcionário da Vale que se infiltrara em um encontro de mobilização, para espionar e registrar imagens, alguns pensaram tratar-se de ato raro, praticado por iniciantes atabalhoados. Acaba de sair nos Estados Unidos um relatório que revela, com riqueza de dados, o contrário. Nos últimos anos, vigiar, ameaçar e trapacear os movimentos sociais tornou-se prática comum entre as grandes empresas transnacionais. Elas passaram a adotar táticas idênticas às de agências como a CIA e a NSA – mas talvez provoquem ainda mais danos, pois têm um número muito maior de alvos. Perseguem ativistas ligados a um amplo leque de causas: entre outras, o ambientalismo, a oposição às guerras, defesa dos serviços públicos, segurança alimentar, agroecologia, reforma urbana e direitos dos animais. Entre as envolvidas, são citadas nominalmente Walmart, Bank of America, McDonalds, Monsanto, Shell, Chevron, Burger King, Kraft, Dow Química e Câmera Americana do Comércio.
O relatório, disponível aqui, foi preparado pelo Centro de Estudos das Políticas Corporativas, um grupo dedicado a denunciar abusos corporativos e exigir responsabilidade empresarial. Com redação final de Gary Ruskin, tem 53 páginas e enorme quantidade de material inédito: após uma breve apresentação, seguem-se dezenas de casos concretos. O estudo remonta ao século 19. Lembra que desde então o mundo empresarial – particularmente o norte-americano – serve-se de vigilância para tentar impedir ações como greves e mobilizaçõs sindicais.
Mas sustenta que o fenômeno assumiu proporções completamente distintas após o fim da Guerra Fria. Num certo sentido, as corporações transnacionais privatizaram – e expandiram agressivamente – a vigilância sobre a sociedade civil antes praticada por agências estatais. “Onde antes havia um punhado de agências de detetives privadas, há agora centenas de organizações multinacionais de segurança, que têm sobre si muito menos controle que os serviços do Estado”, diz o texto.
As grandes corporações procuram detonar, principalmente, ações que denunciam suas práticas e atingem, em consequência, sua imagem. Para impedi-las ou desacreditá-las, demonstram os casos citados pelo relatório, as grandes empresas infiltram agentes entre os movimentos e instalam equipamentos de vigilância (inclusive sobre telefones e internet) nos locais de articulação e mobilização. Mas não se limitam a isso. Roubam documentos, atacam computadores e derrubam sites. Transmitem denúncias falsas sobre si próprias, com a intenção de desmoralizar quem as difunde. Vigiam as vidas pessoais de seus críticos e familiares, buscando produzir informações e imagens comprometedoras.
Os departamentos de vigilância das grandes corporações, sustenta Gary Ruskin, estão repletos de ex-agentes da CIA e NSA. Mas, ao contrário do que ocorre com estes serviços, foco de intensas denúncias nos últimos anos, o mundo da espionagem empresarial permanece à sombra. As informações agora publicadas, diz o autor, foram obtidas quase por acidente – em poucos casos bem-sucedidos de ações judiciais requerendo acesso à informação, vazamentos os descuidos. As dimensões do problema podem ser muito maiores que se pensa. “O tema é mantido sob sigilo. Nos últimos anos, houve poucos esforços jornalísticos – e nenhum esforço governamental sério – para desvendar a espionagem empresarial contra a sociedade civil”, diz Ruskin.
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