Por Kátia Brembatti, na Gazeta do Povo (via Boca Maldita)
A direção da Assembleia Legislativa do Paraná decidiu que não precisa mais de uma biblioteca. Não de uma tão grande, ao menos. E a maior parte do acervo foi doada à Biblioteca Pública do Paraná (BPP). Ao chegar no quinto andar do prédio administrativo da Assembleia, o visitante se depara com uma sequência de estantes vazias.
A estrutura está de mudança: o que não compôs o lote que foi para a BPP vai para o subsolo do edifício ao lado, ocupando parte do espaço que antes era destinado para a gráfica da Assembleia.
Alguns documentos referenciais sobre a Assembleia não estão mais no prédio. Questionada sobre o tempo da construção do edifício que abriga a Casa de Leis, a funcionária da biblioteca do Legislativo conta que não está mais lá o livro que relata toda a história da Assembleia.
Teria ido junto com o acervo de aproximadamente 6 mil títulos doados à BPP. O acervo doado para a Biblioteca não inclui atos oficiais, diários ou quaisquer outros documentos referentes ao funcionamento da Casa, que continuaram em poder do setor de arquivo da Assembleia.
A doação é basicamente formada por livros acadêmicos e de literatura. Os títulos serão avaliados e devem ser incorporados ao acervo geral da Biblioteca Pública do Paraná, que recebe cerca de 3 mil visitas por dia. A BPP recebe constantemente doações e, eventualmente, repassa material para outras bibliotecas do estado.
O escritor Nego Pessôa, que coordenava o projeto de uma estante paranista na biblioteca do Legislativo, conta que boa parte do acervo – cerca de 3 mil títulos – veio da compra do espólio do ex-deputado Luiz Roberto Soares, feita pelo ex-presidente Anibal Kury, na década de 90.
Seriam basicamente livros de sociologia, filosofia, economia e história. Pessôa, apesar de argumentar que a BPP está com pouco espaço, acredita que a doação foi uma medida acertada. “A Assembleia não tem tradição de leitura. As pessoas nem sabiam que tinha uma biblioteca lá e quase ninguém visitava”, diz ele, que por vários anos foi funcionário comissionado da biblioteca.
Só no ano passado, a biblioteca do Legislativo, que leva o nome de Vidal Vanhoni, recebeu três doações de livros. A família do desembargador Henrique Lenz César cedeu 103 tomos, a maioria de Direito. A editora Travessa dos Editores doou 174 títulos e o escritor José Maria Orreda, 16 livros.
Motivos
Em nota oficial, a direção da Assembleia informou os motivos que levaram às mudanças na biblioteca da Casa. Facilitar o acesso da população ao acervo foi a principal razão.
O quinto andar do prédio administrativo da Assembleia, onde estava localizada a biblioteca do Legislativo, está com sérios problemas estruturais, como infiltrações, e o piso, devido ao peso dos livros, poderia ruir.
Além disso, o local não é servido por elevadores, impossibilitando o acesso de pessoas com dificuldades de locomoção. Já a BPP, acrescenta a nota, tem rampas de acesso e ambientes adequados para abrigar os livros.
Funcionários
Ao total, 23 funcionários efetivos estavam lotados na biblioteca da Assembléia – praticamente um servidor para cada estante do local. Uma funcionária conta que apenas 12 nomes constavam na relação de registro de presença de servidores da biblioteca.
Segundo a assessoria, foi necessário criar turnos de trabalho para acomodar todos eles. Para efeito comparativo, cada Farol do Saber, com acervo entre 3 mil e 5 mil livros, conta com três funcionários.
Ainda não está definido para onde estes funcionários serão tranferidos, mas a Assembleia estuda a possibilidade de cedê-los para a BPP. Para isso, eles deverão passar por um curso de aperfeiçoamento, já que nenhum dos servidores é bibliotecário.
Local abrigou diários oficiais até 2008
A biblioteca da Assembléia juntamente com o a gráfica do Legislativo estiveram no centro do escândalo dos Diários Secretos. Em tese, a biblioteca do Legislativo era o único local público onde era possível consultar edições antigas dos diários oficiais da Assembléia.
Mas os volumes foram recolhidos das prateleiras em 2008, quando estourou o caso gafanhoto – esquema em que vários funcionários recebiam numa mesma conta bancária. A partir de então, nem na internet, nem em lugar algum era possível consultar os diários oficiais da Casa.
Agora, o que restou da biblioteca do Legislativo vai para o subsolo do prédio onde fica o plenário da Assembleia. Lá funcionava a gráfica, lacrada em fevereiro. Nela eram fabricados os diários oficiais da Assembléia, alguns impressos com datas falsas ou retroativas.
Eram esses documentos, que deviam ser acessíveis à população, que escondiam a contratação de funcionários fantasmas e outras irregularidades que estão sendo investigadas pelo Ministério Público Estadual. A estrutura da gráfica foi desativada no mês passado e os equipamentos foram doados para o sistema penitenciário estadual. Os diários da Assembleia passaram a ser editados pela Imprensa Oficial do Estado. (KB)
Não servia para nada, diz Rossoni
O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Valdir Rossoni (PSDB), argumenta que será mantida uma “biblioteca normal, importante para o exercício do Legislativo, mas dentro da racionalidade de custos que marca a gestão”.
Para ele, em tempos de domínio da internet, a consulta dos arquivos em papel está rareando cada vez mais. “Vamos recuperar a história da biblioteca, mas muita coisa vai mudar, já que a nossa não servia pra nada”, pondera.
A decisão vai na contramão de muitas Casas Legislativas espalhadas pelo país. A Gazeta do Povo pesquisou nas assembleias dos estados do Sul e do Sudeste e todas mantêm bibliotecas abertas ao público. São estruturas bem-organizadas que contam inclusive com páginas na internet, para a oferta de serviços como solicitação on-line de documentos.
A biblioteca da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por exemplo, é especializada na área das ciências jurídicas e sociais. Dispõe de um acervo com 17 mil itens, como periódicos, toda a legislação estadual, diários oficiais de vários órgãos, além de livros na área de Direito e História e literatura. A coordenadora Sonia Brambilla conta que o espaço é quase centenário – existe há 97 anos –, que é referência em informação legislativa e que oito pessoas trabalham no local.
Já a biblioteca da Assembleia do Rio de Janeiro tem um acervo ainda mais volumoso. São 40 mil títulos, sob os cuidados de 12 funcionários. Em todas as consultadas, o público principal é formado pelos funcionários que buscam opções de leitura e referências jurídicas para projetos. (KB)
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